sábado

O sonho do grão-de-bico

Era uma vez um certo grão-de-bico, chamado grão-de-bico. Andava de mãos em mãos com seus companheiros, retido ao saco que o continha. Desde sua germinação esperava o dia de seu cozimento. Já conhecia seu futuro, apredenra muitas coisas durante a vida e era bastante ponderado. O que não havia aprendido, entretanto, era o seguinte: estar feliz com sua condição de grão-de-bico-cego.

Há não muito tempo, num país como o Brasil, os cientistas descobriram que plantas felizes cresciam mais rápida e lindamente na presença de música clássica. Hoje em dia tais fatos são bastante conhecidos e no meio científico todos conversam sobre isso na cantina:

- É mesmo, Einstein, vamos colocar música em todos os cantos do mundo, para alegrar a vida das plantas! Nossos problemas estarão resolvidos.

E logo a conversa toma novos rumos, como raios gama, por exemplo.

Dito e feito. No dia 16 de maio, a terra toda fora tomada por uma linda música e todas as plantas do mundo se sentiram felizes e completas, menos o grão-de-bico. No grão-de-bico a música não fazia o menor efeito, pois ele não sabia o nome dela e para ele, algo que não tem nome não existe. Mal sabia que mais importante que saber o nome era enxergar a cor da música, mas isso o grão-de-bico não podia imaginar, porque plantas não enxergam.

Do punhado de coisas que eu quero dizer com isso, o mais importante é ressaltar que cada ser tem suas características próprias, danos e extensões, e nomes só existem num mundo imaginário. O mundo só depende dele mesmo.
A história poderia terminar aqui.

Mas sucedeu que eu me apaixonei pelo tal grão-de-bico e não quero deixá-lo com um final meia boca – é um mundo de possibilidades, e é estranho que no meio de tantas possibilidades surjam nomes como Asclepiadaceae.

Mas se ao invés de planta ele fosse jardineiro? Há de se supor que ao se deparar com um jardim de muitas espécies, vinte e sete tipos de frutas e algumas ervas, não sabendo o nome delas, poderia cortar até a mais linda flô, por julgá-la inexistente. Quando tudo precisa de um nome, aí a vida perde o sentido. Abre parêntese – eu sempre quis usar uma idéia do Millan Kundera e minha oportunidade chegou- fecha. Mas basta amar loucamente, pra que a unidade palavra e existência, ilusão lírica da filosofia graodebiqueana, se dissipe imediatamente.

Foi assim que ele viu
E nada mais se perdeu.

Fim.

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